A Expectativa do fim da
história do Cristianismo
O período da
Reforma
Os principais reformadores
protestantes contestaram muitas doutrinas da igreja medieval, mas não
manifestaram maiores preocupações com a escatologia predominante, herdada de
Agostinho. Todavia, Lutero afastou-se de alguns aspectos do amilenismo
medieval. Por exemplo, ele questionou a glória da igreja histórica, cria que o
papado era a manifestação do Anticristo e entendia a vinda do Senhor como uma
ocasião feliz, e não como um dia de ira. Como Lutero, Calvino rejeitou
explicitamente a posição milenista, considerando-a infantil e equivocada. Ele
cria que a idéia do milênio impõe um limite ao reino de Cristo. Em grande
parte, a escatologia de Calvino concentrou-se no futuro dos indivíduos. Nas
Institutas da Religião Cristã, ele aborda a ressurreição final no contexto de
uma seção mais ampla sobre como os indivíduos recebem a graça de Cristo. Para
ele, a escatologia tem um sentido prático, pois a meditação sobre a vida futura
é um elemento essencial da vida cristã.
Muito diferente foi o
entendimento desse assunto por parte de alguns anabatistas radicais. O episódio
que mais contribuiu para dar uma reputação negativa ao anabatismo no século 16
ocorreu na cidade alemã de Münster. Tudo começou em 1530, quando Melchior
Hoffman começou a pregar sermões apocalípticos em Estrasburgo anunciando a
vinda literal e iminente do reino de Deus. Após três anos de pregação
incessante, as autoridades o lançaram na prisão, mas os seus seguidores, os
melquioritas, surgiram por toda parte. Um deles foi Jan Matthys, um padeiro de
Haarlem, na Holanda. Proclamando ser Enoque, a segunda testemunha do livro do
Apocalipse, ele começou a pregar de maneira agressiva e a enviar grupos de
seguidores através dos Países Baixos. Dois deles, Jan van Leyden e Gerard
Boekbinder, foram para Münster, onde o principal pregador da cidade, Bernhard
Rothman, estava pregando idéias anabatistas a grandes multidões.
Ouvindo as notícias,
Matthys teve a visão de que Münster deveria ser o local da Nova Jerusalém e
mudou-se para aquela cidade com os seus seguidores. No início de 1534, após a
fuga de parte da população católica e luterana, Matthys assumiu o controle da
cidade. Iniciou-se um período de repressão que visava “purificar” a cidade, com
rebatismos forçados, confisco de propriedades, queima de livros e a execução de
um ferreiro pelo próprio Matthys. No domingo de Páscoa de 1534, acompanhado de
alguns seguidores, Matthys atacou o exército do bispo que estava acampado fora
da cidade, sendo imediatamente morto e decapitado. Jan van Leyden assumiu a
liderança, ungiu a si mesmo rei, instaurou um reino de terror e introduziu
inovações como a poligamia. No dia 25 de maio de 1535, o exército do bispo
invadiu a cidade e matou quase todos os habitantes. Leyden e dois companheiros
foram torturados até a morte com ferros em brasa. A esperança de uma Nova
Jerusalém havia terminado em tragédia.
A experiência
americana
Nos séculos 17 e 18, com o
advento do Iluminismo, houve um forte declínio do entusiasmo apocalíptico que
havia caracterizado o cristianismo europeu durante vários séculos. Todavia, do
outro lado do Atlântico surgiu uma nova maneira de encarar a escatologia que
ficou conhecida como “pós-milenismo”, a crença de que a segunda vinda iria
ocorrer após o milênio de paz e prosperidade para a igreja, sendo este implantado
com os esforços da igreja, auxiliada por Deus. O pós-milenismo revelou uma
atitude de profundo otimismo com relação ao progresso da igreja e da sociedade
e foi uma doutrina geralmente aceita pelos protestantes norte-americanos até a
segunda metade do século 19. Ela dominou a imprensa religiosa, os principais
seminários e grande parte dos ministros, além de estar implantada na
mentalidade popular.
O primeiro articulador
dessa doutrina nos Estados Unidos foi o famoso teólogo calvinista e pastor
congregacional Jonathan Edwards (1703-1758). No contexto do Primeiro Grande
Despertamento, do qual foi um dos principais personagens, Edwards anteviu uma
era de contínuo avanço do evangelho até que, por volta do ano 2000, surgisse o
milênio, um período de paz, notável conhecimento, santidade e prosperidade
geral. A maior contribuição de Edwards foi o entendimento de que essa obra
resultaria de uma combinação da atuação do Espírito Santo com o uso de meios
como a pregação do evangelho e o cultivo dos “meios ordinários de graça”. Para
ele, essa visão pós-milenista era um incentivo necessário para sustentar os
melhores esforços da igreja.
A influência de Edwards
continuou por várias gerações, principalmente após a Revolução Americana,
quando surgiu um renovado interesse pela escatologia bíblica. Seu discípulo
Samuel Hopkins publicou em 1793 um Tratado sobre o Milênio, dando grande ênfase
ao ativismo social e expressando a convicção de que a grande maioria dos seres
humanos iria converter-se. Suas expectativas pareceram confirmar-se com a
ocorrência de um avivamento muito mais vasto nas primeiras décadas do século
19, o Segundo Grande Despertamento. Neste, o personagem de maior destaque foi o
avivalista Charles G. Finney (1792-1875), que levou às últimas conseqüências a ênfase
de Edwards no uso de meios por parte da igreja. Outro fervoroso partidário do
otimismo pós-milenista, Finney entendia que o avivamento não era um fenômeno
sobrenatural, mas resultava do uso apropriado de certas técnicas, as quais
denominou “novas medidas”.
O contínuo progresso da
nova nação norte-americana e a ocorrência de mais um avivamento em 1858
intensificou as esperanças pós-milenistas, que eram expressas nos termos mais
triunfalistas possíveis. Porém, com a Guerra Civil (1861-1865) e os grandes
problemas gerados pela imigração, urbanização e industrialização, o entusiasmo
pós-milenista entrou em refluxo. Seus últimos vestígios se manifestariam no
movimento do Evangelho Social, no início do século 20, que ainda insistiu em
falar na conversão da sociedade e na implantação do reino de Deus na terra. O
cenário estava preparado para o retorno triunfal do velho pré-milenismo
abraçado por muitos cristãos antes de Agostinho.
A era
dispensacionalista
Em meio ao pós-milenismo
dominante, começaram a surgir nos Estados Unidos, ainda na primeira metade do
século 19, diversos movimentos de natureza fortemente apocalíptica, como foi o
caso dos mórmons (“os santos dos últimos dias”) e seu profeta Joseph Smith.
Outro líder influente foi William Miller, um fazendeiro da Nova Inglaterra que,
através do estudo da Bíblia e especialmente de Daniel 8.14, concluiu que Cristo
iria voltar em 1843 ou 1844. A partir de 1838, a grande divulgação de suas
idéias através de publicações e conferências despertou enorme interesse popular.
Todavia, quando as suas previsões não se materializaram, os seus seguidores
ficaram completamente desiludidos e amargurados com Miller, que morreu quase
esquecido em 1849. Mesmo assim, alguns de seus simpatizantes permaneceram
firmes. Um pequeno grupo da Nova Inglaterra, liderado por James White e Ellen
G. White, concluiu que Miller estava certo quanto à data, mas errado quanto ao
local. No dia 22 de outubro de 1844 Cristo de fato purificou o santuário
segundo a profecia de Daniel, mas o santuário estava no céu, e não na terra.
Cristo não apareceu na terra em virtude da não-observância do sábado por parte
da igreja. Assim surgiu a Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Mais importante para o
evangelicalismo norte-americano e mundial foi o pré-milenismo dispensacionalista.
As origens desse movimento remontam ao inglês John Nelson Darby (1800-1882), um
talentoso líder dos Irmãos de Plymouth. Suas idéias foram popularizadas nos
Estados Unidos por C. I. Scofield através da sua famosa Bíblia Anotada. Esse
sistema derivou o seu nome do fato de dividir a história em diversas eras ou
dispensações. Outra peculiaridade estava na convicção de que Deus tem dois
planos completamente diferentes atuando na história: um para os judeus e outro
para a igreja. Todavia, sua doutrina mais controvertida e distintiva é a do
arrebatamento da igreja, quando Cristo virá para os seus santos, seguido da
tribulação, da consumação do plano de Deus em relação aos judeus e da segunda
vinda, quando Cristo virá com os seus santos. Então virá o milênio, seguido do
juízo final e dos novos céus e terra.
Inicialmente, os
evangélicos conservadores viram o dispensacionalismo com suspeitas. Todavia, a
luta contra o liberalismo teológico aproximou os dois grupos, permitindo que os
pré-milenistas fossem conquistando espaços. Em 1878, a Conferência Bíblica de
Niagara aprovou uma declaração de fé que incluía, além de uma abertura para o
pré-milenismo, ênfases evangélicas tradicio-nais como a autoridade das
Escrituras e a necessidade da conversão pessoal. Apesar das suas diferenças na
área da escatologia, fundamentalistas e pré-milenistas perceberam que possuíam
muitas convicções comuns, o que os levou a firmar alianças por algum tempo. O
pré-milenismo também foi auxiliado pelo apoio de líderes populares como o
evangelista Dwight L. Moody e pela criação de institutos bíblicos. O fato é
que, no final do século 19, o pré-milenismo parecia muito mais realista do que
o pós-milenismo e os seus defensores apontavam para um grande número de
problemas sociais como “sinais dos tempos” e evidências de que a sua posição
era a mais correta.
O século 20
Um dos fenômenos mais
importantes da história da igreja no século 20 foi o surgimento do movimento
pentecostal, que teve como uma de suas características mais distintivas o falar
em línguas. Curiosamente, os estudiosos apontam para o fato de que o
pentecostalismo inicial tinha como enfoque principal a segunda vinda de Cristo.
O dom de se expressar em outras línguas (xenoglossolalia) era visto
simplesmente como um instrumento para a colheita final de almas antes do
arrebatamento da igreja. Essa preocupação já estivera presente em Edward Irving
(1792-1834), um pastor presbiteriano escocês que é tido como precursor do
movimento carismático, e foi muito saliente nos primeiros líderes pentecostais,
Charles Fox Parham e William J. Seymour. Depois de 1910, quando ficou claro que
os missionários não estavam recebendo habilidades miraculosas de falar em
outras línguas humanas, os pentecostais começaram a dar maior ênfase às línguas
como evidência do batismo com o Espírito Santo e como uma linguagem devocional
de oração. Mesmo assim, a preocupação escatológica não foi esquecida. Um
exemplo disso é a Igreja do Evangelho Quadrangular, que tem como uma das quatro
convicções básicas implícitas no seu nome a volta de Cristo.
Após a Segunda Guerra
Mundial, o pré-milenismo despertou um interesse sem precedentes graças a
fenômenos como as armas atômicas, a criação do Estado de Israel, a guerra fria
entre os blocos capitalista e comunista e o surgimento da união européia. O
número de publicações sobre o tema foi impressionante, com os autores
oferecendo as mais diferentes interpretações dos eventos contemporâneos à luz
das profecias bíblicas. Um grande campeão de vendas por muitos anos foi o livro
de Hal Lindsay, A Agonia do Grande Planeta Terra (1970). Muitos filmes também
foram produzidos nessa área, inclusive pela indústria cinematográfica secular.
O fim da União Soviética em 1989 e o transcurso do ano 2000 apresentaram novos
desafios e a necessidade de reinterpretações, como certamente também ocorrerá
com os recentes atentados terroristas nos Estados Unidos e suas conseqüências.
Os cristãos de todos as eras ficam imaginando se o fim dos tempos não irá
chegar na sua geração. Não poderia ser diferentes em nossos dias,
principalmente à luz de acontecimentos tão impressionantes que o mundo tem
testemunhado. Importa que os seguidores de Cristo cumpram as solenes tarefas
que lhes foram confiadas... até que Ele venha.
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Alderi Souza de Matos, ministro presbiteriano, é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Alderi Souza de Matos, ministro presbiteriano, é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.
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